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18 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal Regional Federal da 5ª Região TRF-5 - Apelação Criminal: ACR XXXXX-40.2005.4.05.8100 CE XXXXX-40.2005.4.05.8100

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Segunda Turma

Publicação

Julgamento

Relator

Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira

Documentos anexos

Inteiro TeorACR_5520_CE_1268813448849.pdf
Inteiro TeorACR_5520_CE_1268813448849_1.pdf
Inteiro TeorACR_5520_CE_1268813448849_2.pdf
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Ementa

PENAL E PROCESSUAL PENAL. FURTO QUALIFICADO À CAIXA-FORTE DO BANCO CENTRAL EM FORTALEZA. IMPUTAÇÃO DE CRIMES CONEXOS DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA, FALSA IDENTIDADE, USO DE DOCUMENTO FALSO, LAVAGEM DE DINHEIRO E DE POSSE DE ARMA DE USO PROIBIDO OU RESTRITO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRELIMINARES: JUNTADA DE NOVAS RAZÕES RECURSAIS. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. OMISSÃO DA SENTENÇA QUANTO À APRECIAÇÃO DE TODAS AS TESES DA DEFESA. LIVRE CONVENCIMENTO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR FALTA DE CORRELAÇÃO ENTRE A ACUSAÇÃO (DE LAVAGEM DE DINHEIRO) E A SENTENÇA CONDENATÓRIA. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI. INEXISTÊNCIA. MÉRITO: AUTORIA E MATERIALIDADE. PARCIAL PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO NA PRÁTICA DE FURTO CONTRA A AUTARQUIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. SENDO O CRIME PRATICADO POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, DEVIDAMENTE CONFIGURADA, RECONHECE-SE O DELITO ANTECEDENTE DO CRIME DE BRANQUEAMENTO DE VALORES. TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA (WILLFUL BLINDNESS). INEXISTÊNCIA DA PROVA DE DOLO EVENTUAL POR PARTE DE EMPRESÁRIOS QUE EFETUAM A VENDA DE VEÍCULOS ANTES DA DESCOBERTA DO FURTO. ABSOLVIÇÃO EM RELAÇÃO AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. NÃO CONSTITUI CRIME O MERO PORTE DE DOCUMENTO DE TERCEIRO, MORMENTE QUANDO PARENTE PRÓXIMO. ABSOLVIÇÃO PELO CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ABSOLVE-SE DA IMPUTAÇÃO DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA O ACUSADO DE QUEM NÃO SE DEMONSTROU A RELAÇÃO ESTÁVEL COM OS INTEGRANTES DO BANDO. FIXAÇÃO DAS PENAS: CIRCUNSTÂNCIAS DO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL. EXACERBAÇÃO EXCESSIVA DA PENA-BASE. REDUÇÃO. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO INCIDÊNCIA. AFASTAMENTO DA CIRCUNSTÂNCIA ESPECIAL DE AUMENTO EM RELAÇÃO AO DELITO DE LAVAGEM. INEXISTÊNCIA DE PROVA QUANTO À HABITUALIDADE DAS CONDUTAS. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA.

I- PRELIMINARES: 1.1- Acolhe-se a preliminar argüida pelo BACEN (assistente da acusação) de não conhecimento da segunda apelação de fls.3999/4000, em face de a procuração outorgada pelo réu (fls.3997) ao advogado signatário do primeiro recurso de apelação de fls.3994/3996 ter gerado a revogação de poderes anteriormente conferidos ao profissional que apresentou a segunda apelação às fls.3999/4000. - Com a interposição do primeiro apelo operou-se a preclusão consumativa, sobretudo porque, com a outorga de nova procuração para o exercício dos mesmos poderes antes conferidos a outro patrono, o primeiro instrumento de mandato resta revogado. 1.2- Sentença que, ao fazer a soma das penas aplicadas em concurso material, registra quantidade de anos superior às condenações impostas. O erro meramente aritmético, na indicação final, não tem o condão de impor aos condenados a quantidade de pena ao final mencionada, prevalecendo, de qualquer modo, a condenação concreta por cada um dos crimes cometidos, em concurso material. Inexistência de nulidade. 1.3- Estando os fatos pormenorizadamente descritos na denúncia, pode o juiz dar ao crime definição diversa sem prejuízo para o réu, hipótese não configuradora de mutatio libelli, mas sim de emendatio libelli. Afasta-se o argumento de nulidade da pena em face da falta de correlação entre a acusação (de lavagem de dinheiro) e a sentença. 1.4- Não ofendem o princípio da inviolabilidade do domicílio o ingresso na residência do acusado, bem como a arrecadação do dinheiro lá encontrado, sem o amparo de mandado de busca e apreensão, em face da incidência da exceção prevista no art. , XI, da Constituição Federal. Sendo permanente o crime de ocultação de bens e valores, a situação de flagrância dispensa a ordem judicial. 1.5- A existência de outras provas contra o acusado torna dispensável a perícia, para comprovação do alegado rompimento dos seus tímpanos, em virtude da suposta violência da polícia. Mesmo que eliminada a confissão na fase policial, alegadamente obtida sob tortura, outras provas foram suficientes para embasar o decreto condenatório, a exemplo dos depoimentos dos demais acusados e o próprio fato de terem sido encontrados em seu poder mais de doze milhões de reais. 1.6- Não está o juiz sentenciante obrigado a afastar, um por um, todos os argumentos elencados pela defesa nas alegações finais. - Enfrentando a sentença a matéria alegada e discutida, valorando as provas e abordando as questões relevantes trazidas pelas partes, após discorrer sobre os motivos do convencimento do julgador e apontando no quadro fático e nas provas as causas que o determinaram, não necessita expressamente analisar todos os argumentos da defesa. Rejeição da preliminar de nulidade da sentença, por falta de fundamentação. 1.7- Réus condenados pelo crime de contrabando ( Código Penal, art. 334) e pelo uso de documento falso ( Código Penal, art. 304), sem que tenha a sentença, contudo, fixado a pena relativa àqueles delitos. Ausência de oposição de embargos de declaração nem o manejo de apelação por parte da acusação. - Impossibilidade de aplicação das penas na fase recursal, à falta de apelação do Ministério Público Federal. Preclusão do poder punitivo para o Estado, em razão da proibição de reformatio in pejus. - Não sendo a hipótese de anular a sentença pois, em novo julgamento, também não teria o julgador monocrático como fixar a pena em patamar mais elevado, sob pena de se configurar reformatio in pejus indireta, declara-se a ineficácia da sentença no que tange às condenações sem a fixação da pena respectiva.
II- MÉRITO- AUTORIA E MATERIALIDADE: 2.1- Confirmando a instrução criminal que os acusados tinham pleno domínio do fato criminoso, correta a condenação pelos crimes de furto qualificado, formação de quadrilha, uso de documento falso e pelo crime de ocultação de bens e valores, previsto na lei de lavagem de dinheiro. 2.2- Configura o crime de furto qualificado a ação perpetrada contra o Banco Central do Brasil, sede em Fortaleza, na madrugada de 5 para 6 de agosto de 2005 e que resultou na subtração de R$ 164.755.150,00 (cento e sessenta e quatro milhões, setecentos e cinqüenta e cinco mil, cento e cinqüenta de reais) ou cerca de U$ 71.000.000 (setenta e um milhões de dólares), em notas de cinqüenta reais que já estiveram em circulação, sendo interessante notar que no interior da caixa-forte existiam ainda muitos outros milhões de reais em notas seriadas, que não foram levadas pelos acusados. - Caracterizadas as circunstâncias dos incisos I e II do PARÁGRAFO 4º do art. 155 do Código Penal, tendo em vista que o crime foi cometido mediante a utilização de túnel escavado a partir da casa nº 1071 da Rua 25 de março, região central da Capital cearense, distante mais de 75 (setenta e cinco) metros da sede da Autarquia, com o rompimento de laje de concreto de 1,10m de espessura. A residência de onde partiu a escavação era usada com o subterfúgio de ser sede de uma empresa de grama sintética, depositando-se em suas dependências, ocultadas em paredes falsas de gesso, a terra retirada do túnel, que tinha entrada disfarçada com tampa de tacos, era equipado com sistema de refrigeração, iluminação artificial e lanternas de segurança, além de contar com 900 escoras de madeira com preenchimento de argam (novecentas) assa, ventiladores e segmentos de tubos de cimento. 2.3 O enquadramento típico no crime de lavagem de capitais exige que os valores sobre os quais se empreguem os procedimentos de lavagem tenham sido produto de um dos crimes antecedentes precisamente definidos na lei. A sentença utilizou os incisos V e VII do art. da Lei 9613/98 para esse enquadramento: crime contra a Administração Pública e crime praticado por organização criminosa. - Os crimes contra a Administração Pública estão bem definidos no Código Penal, sendo certo dizer que esse rótulo indica um preciso grupo de figuras típicas. Não traduz qualquer crime que tenha como vítima uma entidade da Administração Pública. É preciso que o bem jurídico protegido seja a própria Administração Pública brasileira e, por esse motivo, apenas os delitos previstos nos capítulos com essa nomenclatura (dentro do Código Penal ou, eventualmente, em legislação esparsa) assim podem ser considerados. - Inadequação do enquadramento pretendido na sentença de primeiro grau, de que um crime de furto (crime contra o patrimônio) venha a ser considerado "crime contra a Administração Pública" apenas pelo fato de que teve uma autarquia federal como vítima. - A intenção do legislador foi, certamente, restringir os crimes precursores a um rol definido, não sendo admissível a interpretação extensiva para enquadrar outros delitos além dos expressamente relacionados. A locução "crime contra a Administração Pública" está relacionada ao bem jurídico tutelado, e não à qualidade da vítima. - Correta a sentença recorrida quanto ao enquadramento do crime antecedente na moldura de "crime praticado por organização criminosa". - Embora a legislação não defina o que seja uma organização criminosa, a Lei n. 9.034/95, em seu art. , define e regula os meios de prova e procedimentos de investigação com relação a crimes praticados por "quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo". A configuração típica da "quadrilha ou bando" está no art. 288 do Código Penal, mas não existe norma que defina organização ou associação criminosa. - O teor da Lei n. 9.034/95, em termos práticos, sugere que haja (ou deva haver) uma diferenciação entre as duas primeiras figuras (quadrilha ou bando) e as duas últimas (organização criminosa e associação criminosa), já que, em todos os casos, há uma pluralidade de pessoas em busca da prática de uma pluralidade de crimes. - De acordo com certa doutrina relevante, a par da utilização de meios operacionais sofisticados, da padronização de comportamentos, da utilização de informações privilegiadas, um determinado critério seria considerado essencial: o envolvimento de agentes do Estado. É verdade que, no caso relativo ao furto ao Banco Central, não há provas concretas de ramificações no Estado. Todavia, aquela circunstância não é essencial para a caracterização da organização criminosa. De qualquer modo, tendo-se em conta que a utilização de pessoas anteriormente empregadas na segurança do Banco Central e a profundidade do conhecimento que o grupo demonstrou ter das instalações da Autarquia sugerem fortemente a infiltração ou mesmo a "contaminação" do aparelho do Estado, de modo que a quadrilha - dotada de acesso a pessoas ligadas à Administração Pública de alguma forma - reuniria os elementos que fariam dela uma organização criminosa, permitindo a subsunção do fato no inciso VII do art. da Lei n. 9.613/98. - A organização criminosa assemelha-se a uma grande sociedade empresária: não é a realização exitosa de um grande negócio que lhe colocará um fim. Ao contrário, servirá para reforçar os laços que unem seus integrantes, para arregimentar novos membros, para otimizar seus procedimentos. Os recursos assim obtidos servem à retroalimentação do sistema, tal qual uma sociedade empresária que reinveste no negócio os lucros auferidos em determinado exercício. São exatamente a estabilidade e a perenização que caracterizam uma organização criminosa, e que não é essencial à configuração da quadrilha. - A criminalidade organizada é aquela "que funciona nos moldes de uma genuína empresa comercial, supondo organização hierarquizada, administração profissional e disponibilidade de meios materiais e humanos para a execução de tarefas distintas e escalonadas, não se podendo, contudo, esquecer que a característica que lhe é mais peculiar é a sua (em maior ou menor grau) clandestinidade" (CASTELLAR, João Carlos. LAVAGEM DE DINHEIRO-A QUESTÃO DO BEM JURÍDICO-Rio de Janeiro: Revan, 204, pág. 122). - No caso dos autos, o grupo que executou os fatos configura uma verdadeira organização criminosa, tendo empreendido esforços, recursos financeiros de monta, inteligências, habilidades e organização de qualidade superior, em uma empreitada criminosa altamente ousada e arriscada. O grupo dispunha de uma bem definida hierarquização com nítida separação de funções, apurado senso de organização, sofisticação nos procedimentos operacionais e nos instrumentos utilizados, acesso a fontes privilegiadas de informações com ligações atuais ou pretéritas ao aparelho do Estado (pelo menos a empregados ou ex-empregados terceirizados) e um bem definido esquema para posterior branqueamento dos capitais obtidos com a empreitada criminosa antecedente. Reunião de todas as qualificações necessárias à configuração de uma organização criminosa, ainda que incipiente. 2.4- Imputação do crime de lavagem em face da venda, por loja estabelecida em Fortaleza, de 11 veículos, mediante o pagamento em espécie: a transposição da doutrina americana da cegueira deliberada (willful blindness), nos moldes da sentença recorrida, beira, efetivamente, a responsabilidade penal objetiva; não há elementos concretos na sentença recorrida que demonstrem que esses acusados tinham ciência de que os valores por ele recebidos eram de origem ilícita, vinculada ou não a um dos delitos descritos na Lei n.º 9.613/98. O inciso IIdo PARÁGRAFO 2.º do art. 1.º dessa lei exige a ciência expressa e não, apenas, o dolo eventual. Ausência de indicação ou sequer referência a qualquer atividade enquadrável no inciso IIdo PARAGRAFOO 2º. - Não há elementos suficientes, em face do tipo de negociação usualmente realizada com veículos usados, a indicar que houvesse dolo eventual quanto à conduta do art. 1.º, PARÁGRAFO 1º, inciso II, da mesma lei; na verdade, talvez, pudesse ser atribuída aos empresários a falta de maior diligência na negociação (culpa grave), mas não, dolo, pois usualmente os negócios nessa área são realizados de modo informal e com base em confiança construída nos contatos entre as partes. - É relevante a circunstância de que o furto foi realizado na madrugada da sexta para o sábado; a venda dos veículos ocorreu na manhã do sábado. Ocorre que o crime somente foi descoberto por ocasião do início do expediente bancário, na segunda-feira subseqüente. Não há, portanto, como fazer a ilação de que os empresários deveriam supor que a vultosa quantia em cédulas de R$ 50,00 poderia ser parte do produto do delito cometido contra a autarquia. - A empresa que explora a venda de veículos usados não está sujeita às determinações dos arts. 9 e 10 da Lei 9.613/98, pois não se trata de comercialização de "bens de luxo ou de alto valor", tampouco exerce atividade que, em si própria, envolva grande volume de recursos em espécie. - Ausência de ato normativo que obrigue loja de veículos a comunicar ao COAF, à Receita, à autoridade policial ou a qualquer órgão público a existência de venda em espécie. - Mesmo que a empresa estivesse obrigada a adotar providências administrativas tendentes a evitar a lavagem de dinheiro, a omissão na adoção desses procedimentos implicaria unicamente a aplicação de sanções também administrativas, e não a imposição de pena criminal por participação na atividade ilícita de terceiros, exceto quando comprovado que os seus dirigentes estivessem, mediante atuação dolosa, envolvidos também no processo de lavagem (parágrafo 2º, incisos I e II). 2.5- Afastamento da dupla condenação em lavagem (ocultar e ter em depósito): tendo sido encontrados os réus em residência, onde estava ocultada quantia de mais de 12 milhões de reais, é evidente que não poderiam ser condenados por dois crimes, em cúmulo material, como se tivessem infringido dois dispositivos distintos da lei de lavagem (ocultar os valores e ter em depósito o mesmo numerário). Ofensa ao princípio que veda o bis in idem. - É possível a configuração de mais de um crime de lavagem, mesmo quando o objeto material (dinheiro) utilizado é oriundo do mesmo crime antecedente, desde que as ações sejam distintas e com desígnios autônomos. As atividades de empréstimo de dinheiro a juros, através de interposta pessoa, e de compra de objetos, imóveis e empresas em nome de terceiros, podem, de acordo com as circunstâncias, ser consideradas crimes distintos, em concurso material. 2.6- Conflito aparente de normas. Alegações de que os fatos praticados constituiriam receptação ou favorecimento real. - Há, é certo, grande aproximação entre a receptação e a lavagem de capitais, pois ambas as figuras típicas têm uma mesma finalidade: assegurar a utilização de bens ou valores obtidos por meio de crime antecedente. - A receptação visa, no entanto, assegurar a manutenção e a consolidação de bens advindos de crime contra o patrimônio praticado por terceiro, admitindo-se, ainda, que o crime antecedente atinja outros bens jurídicos, a exemplo do descaminho ou do peculato, desde que o seu produto seja coisa passível de valoração econômica, mas sempre ligada à idéia de patrimônio, público ou particular. É crime parasitário de um delito antecedente praticado, em geral, contra o patrimônio. - Ocorre que a atividade do receptador é periférica em relação aos agentes do crime patrimonial precedente. No caso do crime de ocultação de bens e valores da lei de lavagem de dinheiro, as atividades tendentes a assegurar as vantagens materiais estão imbricadas à própria ação antecedente. - O crime de favorecimento real ( Código Penal, artigo 349) exclui quem participou do delito antecedente, ao contrário do que ocorre com a reciclagem de valores, em que os agentes de ambos os delitos podem ser os mesmos. O favorecimento real exige especial fim de agir: tornar seguro o proveito do crime, ao passo em que, na lavagem, a intenção é não apenas tornar seguro o proveito, mas fazê-lo reingressar na economia, embora de forma segura. - Os acusados não se limitaram a tão-somente adquirir, em proveito próprio, o produto do crime, ou simplesmente assegurar o proveito do crime de furto, mas também a conferir às transações de que participaram, aparência regular, lícita, razão pela qual o conflito aparente de normas deve ser dirimido aplicando-se o princípio da especialidade. 2.7- Absolvição de Flávio Augusto Maitioli dos crimes de falsa identidade e de formação de quadrilha. O simples ato de trazer consigo documento de terceiro (mormente em se tratando de irmão) não configura o tipo do art. 304 do Código Penal. Sem a demonstração da ligação estável com os integrantes do bando, não há que se falar em tipificação do crime de quadrilha.
III- FIXAÇÃO DA PENA: 3.1- Não fere o artigo 59 do Código Penal a sentença que fixa a pena-base num patamar acima do mínimo legal, se devidamente fundamentada, com esteio nas circunstâncias judiciais do crime. - Parte da doutrina em nosso país tem entendido que a pena-base deve, salvo situações excepcionais, devidamente justificadas, aproximar-se do termo ou ponto médio entre a pena mínima e pena máxima (metade da distância entre a pena mínima e a pena máxima). (SCHMITT, Ricardo Augusto. Sentença Penal Condenatória, 2.ª Edição. Salvador, Editora JusPodivm, 2007. pp. 78 a 91). - Naquelas situações excepcionais, e com a devida fundamentação, a pena-base poderia aproximar-se do termo ou ponto médio superior (metade da distância entre o termo ou ponto médio e a pena máxima): - A fixação da pena-base na pena máxima, por impedir a aplicação de agravantes, contrariaria, em tese, a idéia penal quanto à limitação destas à pena máxima cominada em abstrato e de sua proporcionalidade. - Haveria a necessidade de averiguação objetiva sobre a contribuição de cada uma das circunstâncias judiciais para a majoração da pena-base, ou seja, deveria haver uma proporcionalidade entre a valoração de cada circunstância judicial e o incremento da pena-base. - Sustenta-se que a cada circunstância judicial deve corresponder uma possibilidade de aumento de 1/8 na fixação da pena-base, excetuando-se os antecedentes, que corresponderiam a 2/8. - Por outro lado, há autores que descartam a precisão aritmética, inclusive em face de pronunciamento do Col. Supremo Tribunal Federal, no sentido de que "A PONDERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL NÃO É UMA OPERAÇÃO ARITMÉTICA:POR ISSO, SERIA TEMERÁRIO ASSEVERAR QUE DA SUBTRAÇÃO DE UM DENTRE DIVERSOS NEGATIVOS, AOS QUAIS ALUDIU A SENTENÇA, RESULTASSE NECESSARIAMENTE A FIXAÇÃO DE PENA MENOR" (STF, HC XXXXX/SP, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julg. 22.6.04), havendo, ainda, corrente doutrinária segundo a qual não há qualquer fundamento legal para a adoção do limitador do chamado termo médio, podendo a pena básica ser aplicada no máximo quando a situação concreta demandar. (NUCCI, Guilherme de Souza, INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2004, pág 343). - Posições extremadas que podem ser temperadas, aproveitando-se adminículos relevantes de cada uma delas: i) a fixação da pena não pode ter precisão aritmética, mas, por outro lado, as oito circunstâncias devem ser sopesadas, nada impedindo que uma prepondere ante as demais; ii) é razoável a adoção do "ponto médio", como limitador à fixação da pena-base, mas nada impede que aquele março seja ultrapassado em situações excepcionais; e iii) a fixação da pena-base no máximo cominado em abstrato atenta contra o princípio da proporcionalidade, que deve orientar a compreensão e a aplicação do direito penal; iiii) em face de situações excepcionais, é perfeitamente possível a fixação da pena-base acima do chamado ponto médio, ou mesmo um pouco acima do ponto médio superior. - No caso concreto, impõe-se a redução das penas-bases fixadas na sentença recorrida, não obstante as oito circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do crime e o comportamento da vítima) sejam desfavoráveis à grande maioria dos acusados. Por outro lado, a excepcionalidade daquelas circunstâncias, mesmo que afastados os maus antecedente no que tange a parte dos réus, autoriza a dosimetria um pouco acima do termo médio superior, em relação ao delito principal, pois, somente assim, será suficiente para a reprovação e prevenção do crime. - Sentença que valorou negativamente, em relação a todos os réus, "as suas personalidades desvirtuadas e voltadas para o crime, bem como suas condutas sociais reprováveis, além do único móvel ter sido o lucro ilícito em detrimento do patrimônio público, com graves conseqüências sociais". - No que tange ao comportamento da vítima, afasta-se o argumento de que o Banco Central, ao relaxar nos procedimentos de vigilância e segurança, teria incentivado a prática do crime. As instalações da Autarquia eram dotadas de vigilância armada, circuito de TV, com monitoramento humano 24 horas por dia, sensores de presença na caixa-forte e sensores de impacto nas paredes e no teto. Tanto existia o esquema de segurança que foi necessária a montagem de organização com sofisticado planejamento e vultosos investimentos para que a empreitada criminosa tivesse êxito. - É verdade que a sentença, ao apreciar as circunstâncias judiciais, não se deteve na avaliação dos antecedentes dos réus. Entretanto, em sede de apelação, mesmo que o recurso tenha sido manejado exclusivamente pela defesa, pode o Tribunal reavaliar cada um dos aspectos previstos no art. 59 do Código Penal, atribuindo-lhes valoração diversa ou mesmo considerando circunstâncias não mencionadas no julgado recorrido, desde que a pena não venha a ser majorada. No caso, é perfeitamente possível considerar os antecedentes dos acusados, sem que isso constitua reformatio in pejus, especialmente quando, ao final, a pena-base vem a ser reduzida. 3.2- É certo que a mera situação de flagrante, por si só, não retira a espontaneidade da confissão. Entretanto, para justificar a sua natureza de atenuante, é necessário que a confissão seja feita de forma ampla, geral e irrestrita, o que não é o caso, até porque, em relação a alguns dos acusados, foi retratada em juízo. - A par da ausência do elemento moral (arrependimento da prática criminosa), não se verificou a predisposição para colaborar com a Justiça, facilitando a instrução. Nenhum dos recorrentes forneceu qualquer informação útil à localização dos demais integrantes da organização criminosa ou ao rastreamento dos milhões de reais ainda ocultados. 3.3- O PARÁGRAFO 4º do artigo da Lei nº 9613/98 disciplina causa especial de aumento, ao determinar que a pena será aumentada de 1 (um) a 2/3 (dois terços), nos casos previstos nos incisos I a IV, do caput do artigo , se o crime for cometido de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa. - A primeira hipótese cuida da figura da habitualidade criminosa, ou do criminoso habitual, conceito diferente do de crime habitual. Como ensina DAMÁSIO DE JESUS "o delito habitual se distingue da habitualidade no crime. Naquele, o delito é único, constituindo a habitualidade uma elr do tipo. Na habitualidade no crime, ao contrário, há pluralidade de crimes, sendo a habitualidade uma qualidade do autor, não da infração penal." - Ao contrário do crime habitual (onde a reiteração de atos penalmente indiferentes de per si constitui um delito único, ante a existência de um todo ilícito) aqui temos uma seqüência de atos típicos que demonstram uma tendência por parte do autor. No crime habitual a prática de um ato apenas não gera tipicidade. - O aspecto mais importante é que o parágrafo introduz a figura da "reiteração criminosa", que nada mais é do que uma característica do criminoso chamado "profissional" ou "habitual". Não se cuida de um crime continuado propriamente dito (art. 71 do Código Penal). Tampouco a lei faz referência e exige uma comunhão de circunstâncias temporais, espaciais e operativas para que se reconheça uma "unidade" fictícia ou real de delitos. O dispositivo está reservado, portanto, às situações em que o agente, reiteradamente e de forma habitual, venha se dedicando ao delito de reciclagem de bens ou valores. - Inexistência de qualquer prova nos autos, ou ao menos vaga menção, de que os recorrentes reiteradamente se dedicavam à prática de delitos de lavagem de capitais ou de que tenham anteriormente, de algum modo, infrigido a Lei 9.613/98. - Afastada a habitualidade criminosa, restaria verificar a presença ou não da outra circunstância especial de aumento, prevista no mesmo dispositivo legal, ou seja, o fato do crime ter sido cometido por organização criminosa. - Não há qualquer dúvida de que o furto ao Banco Central em Fortaleza foi cometido por integrantes da criminalidade organizada. Todavia, a circunstância foi considerada para a própria tipificação do delito de lavagem de capitais, ao considerar o crime de furto cometido por organização criminosa como delito antecedente ao de reciclagem. - O acréscimo da pena pelo mesmo motivo implicaria intolerável bis in idem. Reforma da sentença que aumentara a pena-básica em 2/3 (dois terços), para afastar a causa especial de aumento do PARÁGRAFO 4º do artigo da Lei nº 9.613/98. 3.4- A fixação da pena pecuniária segue o método bifásico: i) na primeira etapa, determina-se o número de dias-multa (entre 10 e 360- Código Penal, art. 49), devendo-se guardar certa proporcionalidade com a pena privativa de liberdade fixada; ii) na segunda fase, arbitra-se o valor de cada dia-multa (entre um trigésimo e 5 vezes o salário mínimo- Código Penal, art. 49, PARÁGRAFO 1º), considerando-se a situação financeira de cada acusado. - De acordo com o artigo 60, PARÁGRAFO 1º, do Código Penal, o valor da pena pecuniária poderá ser aumentado até o triplo, caso o máximo previsto apresente-se ineficaz, em razão da condição econômica do réu. Trata-se de regra de especial elevação do valor da pena de multa, nos moldes das causas especiais de aumento da pena privativa de liberdade. - O critério consagrado no artigo 59 do Código Penal, qual seja o da suficiência e da necessidade, que norteia o magistrado na individualização da pena-base proporcional, é o mesmo critério que o orientará na fixação da pena de multa. - Sentença que aplicou penas pecuniárias no patamar máximo possível, mesmo em relação aos crimes conexos de menor potencial ofensivo, sem guardar qualquer proporção com a pena privativa de liberdade concretamente imposta. - A pena de multa deve ser dosada guardando simetria com a pena privativa de liberdade aplicada cumulativamente. 3.5- O crime perpetrado contra o Banco Central em Fortaleza, com a subtração de quase 71 milhões de dólares é, muito provavelmente, o maior furto da história da humanidade. A quadrilha que o executou, por sua vez, demonstrou incrível organização, planejamento e capacidade de articulação. O fato teve repercussão internacional e ainda hoje deixa incrédula a população. - Merece, assim, punição adequada, de modo suficiente a reprovar o ilícito cometido e a desestimular a prática de crimes contra o patrimônio e contra a paz pública, conforme recomenda o art. 59 do Código Penal. - A apenação, tanto em relação ao crime principal quanto no que tange aos crimes conexos, deve, no entanto, ser feita com atenção aos limites da lei. - Redução das penas de multa e de privação da liberdade.

Acórdão

UNÂNIME

Veja

  • HC-84120/SP (STF)
    • ACR-20041990165670 (TRF1)
      • ACR-200271000332101/RS (TRF4)
        • ACR-200439000103467/PA (TRF1)
          • HC-74127/RJ (STF)

            Doutrina

            • Obra: LAVAGEM DE DINHEIRO
            • Autor: CARLOS RODOLFO FONSECA TIGRE MAIA

            Referências Legislativas

            Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-5/8249976

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